1. O Delírio
A historinha pode resumir-se em 2 penadas: A primeira, trata daquela espécie ruim como as cobras, o ser humano, que chega a uma terra distante para sacar a riqueza e lixa tudo o que está à sua volta; a segunda, trata do indivíduo, desgraçadinho, paralítico, com irmão morto, aquelas coisas que mais parecem decalcadas de um triste fado luso numa tasca de Alfama, que se mistura com os estranhos para os lixar mas depois é ele que acaba por lixar o plano todo ao se apaixonar por uma indígena e tomar partido dos mais fracos. Original, não é? Bom, uma coisa assentamos desde já, o filme é sobre o eterno lixanço, isto para não me espraiar em termo mais vernáculo, que o homem sempre faz, quer seja em bando, como praga de gafanhotos, quer seja a nível individual sempre que se enrola com os meandros da vida, nomeadamente se os meandros tiverem um bom par de pernas, que neste caso são bem esguias e azuis ainda por cima. Resta agora saber se o filme vai lixar o cinema ou se ele próprio se lixa nas bilheteiras, mas sobre isso já lá iremos mais abaixo, vamos agora ao delírio social.
Ao ver o filme, uma coisa saltou-me no pensamento, não fossem as longas 3 horas e aquilo até podia ser o preâmbulo do discurso de Obama em Copenhaga ou em outra parte do mundo, tal é o moralismo ecológico e pacífico que aporta. Não sei mesmo se não é o James Cameron que anda a fazer os discursos emblemáticos ao presidente, cheio de boas intenções, melodramático e arrebatador, há mesmo uma altura em que o herói Jake Sully disserta para a plateia indígena e em que ficamos à espera de um Yes we can, todo o filme assenta numa áurea de ambientalmente correcto: as conquistas energéticas, e especialmente as da ganância, do subsolo destroem os mundos pela forma como vão corroer o equilíbrio da natureza e só mesmo uma verdadeira consciência civilizacional nos poderá salvar. Além disto, deixa ainda escapar uma outra Obamada, tudo é muito bonito, muita paz, muito amor, mas só a guerra nos pode libertar, claro que é uma guerra boa, limpa proveniente da natureza e contra os maus, uns capitalistas dos diabos que chacinam tudo. Porque será que os argumentistas americanos, quando toca à moral, são tão bipolares, roçando mesmo uma certa esquizofrenia cinematográfica?
2. A Mensagem
Aquilo que é aparentemente um filme de acção e de ficção científica, acaba por ser um manifesto imenso de boas ideias.
A primeira já referi, a procura de energias minerais é devastadora e acaba por colocar sempre em perigo as outras energias naturais, menos fortes mas mais equilibradas. Todos sabem disso, mas a rentabilidade económica, ao ser grande, dita a cegueira e avança-se sobre a natureza para colher os frutos malditos, petróleo ou Unobtainium tanta faz, o resultado é o mesmo, a aniquilação total. A certa altura a personagem principal refere que na terra já não há verde pois tudo foi destruído, não contentes há que ir para outros planetas fazer o mesmo, que nesta coisa da fotossíntese ninguém se pode ficar a rir. A pergunta que fica por esclarecer é se havia alternativa, se a espécie humana para sobreviver não teria mesmo que invadir e lixar tudo, afinal não é a própria natureza que tem as regras dos predadores e das presas? Mas pronto, fica mais bonito mostrar como somos maus e os aborígenes extraterrestes bonzinhos de uma pureza angelical. Porque será que nunca mostram que os povos primitivos, apesar de toda a espiritualidade e crença em bolinhas de sabão, são também normalmente bárbaros?
Com esta coisa do está tudo ligado ficou-me uma dúvida, será que a ZON patrocinou o filme?
É sempre bonito sair com reconforto espiritual de um filme. Penso mesmo, que o pessoal que se sentou a empanturrar com sacos gigantes de pipocas e baldes de plástico de coca-cola a ver a fita, saiu feliz, quase expiado, por sentir que o mundo humano e a natureza têm que andar de mãos dadas e em harmonia como um casalinho de pombinhos em inicio de namoro, isto até encherem um saco com o lixo que criaram com os comestíveis cinematográficos e virarem na esquina do centro comercial para comprarem o novo Nokia, que faz umas coisa giras, mesmo sabendo que o que têm bolso ainda funciona e faz tudo o que precisam, no fundo, novamente como o tal casal que, passado o arrufo romântico inicial, já grita um com o outro.


Mas a grade marca de AVATAR será o que ele pode significar no cinema, o fim de um ciclo e o princípio de outro, que ditará a sua morte, pelo menos tal e qual como o conhecemos.
Se no filme já está simbolizada o fim da nossa civilização, caso não se inverta o rumo, alô Copenhaga, ele próprio poderá simbolizar o fim do cinema como uma macro indústria. Apesar dos seus elevados custos ele veio demonstrar que é possível fazer cinema sem nada, basta a voz. Até agora o que se via, além dos filmes de animação, era que os efeitos serviam de suporte para o desenrolar da acção principal, esta real e com gente de carne e osso, mesmo as personagens virtuais, quando existiam, eram de contraponto, caso do Smiguel ou King Kong, para impressionar. Em AVATAR não, as personagens verdadeiras e de dimensão dramática são as virtuais, sendo os actores reais mero suportes secundários. Ou muito me engano ou futuro da profissão dramática será a representação oral, como nos tempos do velho folhetim radiofónico. E se agora são precisos muitos milhões para fazer uma fita como esta, em bom pouco tempo isso será doméstico, os bons princípios do capitalismo assim o ditam, e vai haver avatares nos youtubes da época a dar com um pau, se até agora o poeta, o escritor, ou o artista plástico que há em nós já tem um palco solitário para se exibir ao mundo, através dos blogues, daqui a pouco o cineasta que também cá mora tem os ecrãs electrónicos domésticos para se mostrar, assim haja bytes disponíveis. Será triste pensar que daqui a 100 anos uma Angelina Jolie terá por detrás uma Magda Patalógica qualquer que apenas tem uma voz sexy, felizmente que já cá não estarei.

Mas se sobre esse cenário ainda faltam alguns anos, não tantos como se pensam, um outro poderá ter nascido com AVATAR, o do filme imagem sensação, em que é necessário ir mesmo à sala para o ver, como se voltássemos ao velho tempo da feira popular e de cinematógrafo, que é como quem diz, às verdadeiras origens do cinema, em que a propósito de nos assombrar com umas imagens iam desfilando algumas historinhas. No fundo, é disto que se trata neste filme, uma pequena história dentro de um imaginário imenso. E que imaginário!
